segunda-feira, 28 de maio de 2007

Rasgos de Imaginação - Parte II : Maria


"É Inverno.

Lisboa está gélida, e no meio bairro, na rua da Madalena sente-se um cheiro intenso a maresia. Acabou de chover e aconchego o meu sobretudo preto ao meu corpo. A rua está vazia e o som das minhas botas ecoa pelo espaço.

Sinto-me como se a minha alma tivesse um buraco enorme.

Ando perdida pela cidade, à procura de não sei bem o quê… tenho a minha máquina sempre à mão…nunca se sabe o que a vida nos pode trazer. Como o rosto de uma velha…uma mão de um mendigo, o fato de homem de negócios, um gato num beco.

Preciso de algo que me faça despertar desta minha espiral negra, um lampejo de luz ou num olhar de uma criança. Qualquer coisa serve para sair da ressaca da noite anterior e me faça ver a realidade de maneira diferente.

Parto em busca de mim própria.

Estou no modo automático, como o meu pequeno-almoço de sempre, uma torrada e um galão, que me traz um conforto estranho, como se de uma memória antiga onde eu ainda era inocente. Decido dirigir-me à casa da Maria, ela é um dos meus últimos projectos. É uma prostituta, e uma mulher como não há muitas. A sua honestidade agressiva, a sua sexualidade seca e personalidade forte fascinam-me.

Recebe-me em sua casa mesmo estando cansada de uma noite trabalho árduo sob condições inumanas. Oferece-me um café. Despe-se e finalmente começamos a trabalhar no meio de conversas banais.

Maria tem 45 anos, tem ainda traços de uma beleza em tempos estonteante, a sua pele é seca, as mamas descaídas, tem uma postura orgulhosa embora viva numa casa de uma assoalhada velha, no meio da Mouraria e a cair de podre.

Fotografo-a enquanto ela se despe, enquanto está a tomar banho e a retirar dela os vestígios de todos os homens que passaram por ela… por todo o seu corpo tem marcas de anos de violência, cicatrizes, nódoas negras recentes e marcas do seu vicio de drogas.

Faço um exame clínico do seu corpo com a câmara, a sua postura, o seu olhar, o seu ambiente da sua beleza crua e honesta. E do seu sentido de humor sarcástico e negro, fica na memória a nossa cumplicidade ganha de uma amizade estranha. Já trabalhamos juntas a algum tempo, não sei dizer quanto. O tempo é relativo e sem importância. O que fazemos dele é o que importa. E com ela tenho-o aproveitado ao máximo.

Falamos muito acerca da vida, das escolhas que fazemos, dos erros que cometemos e dos nossos sonhos falhados…

Saio de ao pé dela já tarde quase de noite. O meu dia ainda não acabou e não quero ir já para casa.

Lisboa hoje emana uma aura especial, parece que tudo pode acontecer. As luzes de Natal estão a ser acesas e já começo a notar um ratinho no estômago, paro numa tasca para comer qualquer coisa. Revejo mentalmente a sessão com Maria e visualizo as melhores fotos. O corpo branco e nu, de encontro à parede da sua casa de banho, o seu cabelo molhado e comprido espalhado pelos ombros e o reflexo do seu rosto no espelho, com uma expressão de abandono, como se o seu corpo fosse apenas uma carcaça e a sua alma já tivesse partido à muito.

Aquela imagem persegue-me enquanto caminho. É uma imagem forte de uma velha amiga a abandonar esta vida. Um acto de perversão à natureza humana e da Vida junto com os seus sonhos destroçados. Ela vive enclausurada no mundo que ela escolheu para si, um misto de ilusões, vicio e a sua dura realidade. Maria já não quer mudar, cansou-se de lutar por uma vida supostamente normal, onde nada é o que parece e ninguém é o que clama ser. Prefere o acto da solidão e verdade para consigo própria e viver de acordo com as suas acções e consequências.

Admiro-a."

1 comentário:

papagueno disse...

Olá Ana gostei dos teus rasgos, pricipalmente do primeiro, coisas de gajo, sabes, tem mais sexo.
Lol
beijinhos